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GÁS XENÔNIO NO EVEREST: Dopping ou evolução tecnológica?

  • Foto do escritor: @andreperlatti
    @andreperlatti
  • 29 de mai.
  • 5 min de leitura

Na semana de 15 a 21/mai/2025 duas expedições comerciais ao cume do Everest, uma dos ingleses Garth Miller, Alistair Carns, Anthony “Staz” Stazicker e Kevin Godlington, e outra do cliente americano Andrew Ushakov, ambas com toda uma equipe de apoio formada por sherpas carregadores, guias, cozinheiros, iaques e helicópetero (média de 10 funcionários contratadas por cliente e impressionante custo médio de US$ 170mil por pessoa), chocaram o mundo do montanhismo por conseguirem escalar a montanha mais alta do planeta em respetivos 7 e 4 dias. A  média de tempo despendida por expedições comerciais varia de 40 a 60 dias contando a estratégia de aclimatação tradicional para se  alcançar os 8.849m acima do nível  do mar. A façanha de chegar num ponto com apenas 30% da concentração de oxigênio encontrada em Jundiaí em tão pouco tempo foi possível através de uma estratégia de preparação que envolveu semanas dormindo em câmeras hiperbáricas que simulavam o ar rarefeito de grandes altitudes somado à inalação do polêmico gás xenônio, o qual estimula a produção de glóbulos vermelhos no sangue, grande busca nos árduos processos de aclimatação para possibilitar a escalada. Vale lembrar que ainda não existem estudos científicos a longo prazo que comprovem que sua utilização não seja prejudicial à saúde.

 

Exemplo de câmera hiperbárica utilizada na preparação dos clientes.
Exemplo de câmera hiperbárica utilizada na preparação dos clientes.

Inalação de gás xenônio.
Inalação de gás xenônio.

Vale tudo para alcançar um cume?

Se a resposta for SIM, então é questão de tempo construírem teleféricos climatizados servindo canapés e vinho tinto para levar mais e mais turistas a tirarem suas fotos no EBC ou cume e assim conseguirem engajamento momentâneo nas redes sociais até tal feito se tornar inexpressivo e cair no esquecimento. Por mais que as agências tendam a seguir por este caminho, tenho fé que os praticantes de verdade, amantes das montanhas, terão influência sob uma decisão deste nível (ingenuamente assim espero).

 

Outra pergunta a nos fazermos é se essa estratégia pode ser considerada dopping. Pelo Comitê Olímpico Internacional, a definição de dopping é: “uso de substâncias ou métodos proibidos que aumentam o desempenho físico dos atletas“. Escalar o Everest para a grande maioria dos clientes das agências que ali atuam pode não ser considerada uma competição com terceiros, apenas consigo mesmo, mas todo montanhista que se preze sabe que nas montanhas existem recomendações éticas, boa parte formalizada na Declaração do Tirol sobre a Boa Prática nos Esportes de Montanha. No artigo 8 item 8 do documento diz: “Bom estilo em alta montanha implica no não uso de corda fixas, drogas de aumento de performance ou oxigênio engarrafado”. Não é uma regra, como bem diz na introdução da declaração divulgada em 2002 na Conferência sobre o Futuro dos Esportes de Montanha realizada em Innsbruck na Áustria, após passar por diversas revisões de atletas e praticantes de montanhas filiados à UIAA (União Internacional das Associações de Guias de Montanha), mas concretiza o quê já é esperado dos praticantes do esporte. Pra quem não sabe, desde o EBC até o cume, a maior parte da ascensão do Everest faz uso de cordas fixas, ou seja, uma equipe de Sherpas, antes das primeiras ascensões da temporada, fixam centenas de metros de cordas fixas e escadas entre as cristas dos seracs a fim de facilitar (e muito) as investidas de clientes os quais em muitos casos são pouco experientes em montanhismo. Basta olhar imagens das ascensões na internet e você não verá uma pessoa sequer utilizando piquetas técnicas ou de apoio.


Para se ter uma idéia sobre o quão difícil fica a ascensão num estilo mais purista, até o final de 2024 apenas 229 pessoas alcançaram o cume da montanha mais alta do planeta sem o uso de oxigênio suplementar, o que corresponde a apenas 1,7% das tentativas bem sucedidas. Em outras palavras, se fosse obrigatório respeitar as práticas sugeridas pela declaração do Tirol, mais de 98% das pessoas que fizeram cume no Everest até final de 2024 não teriam conseguido (em tese). Sem dúvida algo a se pensar.


Reinhold Messner, o primeiro ser humano a conseguir a façanha de ascensão sem uso de oxigênio engarrafado e indubitavelmente considerado o maior montanhista de todos os tempos uma vez disse: “eu escalo sem oxigênio pois acredito que seja o meio mais honesto a se experenciar a montanha”.


Reinhold Messner em sua tentativa (bem sucedida) em alpino solo ao Everest em 1980 sem uso de oxigênio suplementar.
Reinhold Messner em sua tentativa (bem sucedida) em alpino solo ao Everest em 1980 sem uso de oxigênio suplementar.

No montanhismo romanticamente temos que lidar com riscos, incertezas, adaptações ao longo do caminho, preparo, paciência e muito auto-conhecimento. Neste ambiente voltamos ao primórdios, longe do conforto que desenvolvemos com o surgimento da divisão de trabalho e da agricultura. Como disse George Mallory: "tão perto da morte nos sentimos vivos novamente". Implementar este conforto em investidas contemporâneas buscando cume seja da forma que for, priva tais experiências. Acredito que somos livres para escolher o método que desejamos utilizar em nossas ascensões, mas a discussão é importante a fim de gerar conhecimento especialmente aos novatos no montanhismo que desconhecem tais princípios.



 Quais serão os impactos deste método em investidas futuras?

Abaixo segue tabela  do número de pessoas que tentam cume do Everest desde a década de 90, quando houveram as primeiras expedições comerciais:

 


O aumento das expedições ao Everest é gigantesco. Desde a primeira expedição comercial até a de 2024 o número de clientes tentando cume da montanha aumentou quase 500%, e fica óbvio que o bioma não suporta, mas o governo nepalês continua explorando comercialmente esta que é uma importante fonte de renda para o país. O resultado? Uma montanha extremamente superlotada, com muitos clientes inexperientes que pagam pequenas fortunas para que agências locais os ajudem a realizar o sonho de alcançar o ponto culminante do planeta. Dada a dificuldade que é de permanecer acima da linha da morte dos 7.500m (acampamento 4), muito lixo, principalmente cilindros de oxigênio vazios são abandonados no ambiente, proporcionando uma triste paisagem num dos locais originalmente mais belos da natureza terrestre.


Sujeira no acampamento 4, último antes do cume.
Sujeira no acampamento 4, último antes do cume.

Pelo custo destas expedições relâmpago em 2025, ao invés de haver um barateamento no valor final ocorrerá o contrário, e subir a montanha mais alta do planeta será ainda mais elitizado. Ter uma câmara hiperbárica em casa não é barato, nem a inalação prolongada do "gás milagroso". Provavelmente facilitará para mais pessoas inexperientes a fazerem suas tentativas visto que não precisarão dispender várias semanas entre EBC e cume, num sobe e desce aparentemente interminável de aclimatação. A discussão entre associações de guias, agências, governo e atletas já ocorre. Fico na torcida para que a ascensão às montanhas se tornem menos elitizadas e possam manter o mais fidedignamente possivel experiências transformadoras na vida de quem encara o desafio. Veremos como será a temporada 2026.

 


 
 
 

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