André Perlatti e Hikaru Arimura, moradores de Jundiaí, no interior de SP, completaram uma expedição de 10 dias rumo ao cume do Alpamayo, no Peru, em julho. Do grupo com nove pessoas, apenas os dois conseguiram chegar até o fim.
Exaustão, alívio e, por fim, satisfação. Foi esta mistura intensa de sentimentos que os brasileiros André Perlatti e Hikaru Arimura viveram há poucos dias, quando riscaram (mais) um item da lista de desafios ao completarem uma expedição de 10 dias até o cume do Alpamayo, considerado a montanha mais bonita do mundo, no Peru.
Ao lado de outras sete pessoas, os moradores de Jundiaí, cidade no interior de São Paulo, deram início à missão em 15 de julho, alcançaram o cume no dia 21 e encerraram a expedição no dia 23. Ao todo, foi um dia para ir de Jundiaí até o município de Huaraz, base da Cordilheira Branca no Peru, e mais nove dias na montanha.
o guia André Perlatti chegando na metade da via Canadense-Peruana, com 400m de extensão.
O grupo era composto por cinco montanhistas, três porteadores e um cozinheiro. Destes, cinco tinham a intenção de chegar ao cume, mas apenas o guia de montanha André e o empresário Hikaru conseguiram - os outros três desistiram dias antes por dificuldades de aclimatação à altitude.
"A sensação de cumprir a missão, sem dúvida, foi de exaustão. A montanha é muito técnica e exigiu muito de nós. Logo após conseguirmos contemplar o cume já iniciamos a descida. Afinal, o tempo voa", conta Hikaru, de 35 anos. E André completa:
"No fim, foi uma mistura de satisfação, após anos de preparo e planejamento, com alívio por poder rever a família e ter voltado inteiro", confessa o jundiaiense, de 40 anos.
Nove pessoas deram início à expedição, mas apenas duas conseguiram chegar ao fim —
Anos de preparação
Montanhista há 24 anos, André considera que o preparo para a expedição peruana tenha começado ainda em 2001. "Cada vivência em montanhas anteriores de alguma forma me preparou para a investida ao Alpamayo", explica.
Cerca de seis meses antes, porém, ele deu início a um treinamento mais específico, escalando longas paredes no Brasil e simulando a utilização das piquetas em um ginásio de escalada de Jundiaí, no bairro Medeiros.
Já Hikaru começou a se preparar para a missão em dezembro de 2023, logo após os dois terem decidido qual seria o roteiro dela. "A preparação basicamente foi alimentação, corridas e trekking", conta.
Em maio, André já havia tentado ser o primeiro ser humano a acessar o cume do Alpamayo na temporada de 2024. Foi uma tentativa em alpino solo, totalmente sozinho, e, quando se deparou com alguns obstáculos, ele não se sentiu confortável para continuar a expedição sem um parceiro e decidiu voltar atrás.
Dois meses depois, no entanto, ele conseguiu chegar ao topo da montanha, considerada de alto grau de dificuldade, ao lado de Hikaru, que escalou o Alpamayo pela primeira vez.
"Nenhuma agência brasileira jamais havia operado no roteiro. A empresa jundiaiense foi pioneira nesta montanha. Não sabemos dizer o número exato, mas acreditamos que não passam de 10 brasileiros que já escalaram o Alpamayo. Guiando, ou seja, sendo o líder no dia do cume, cremos que esse número se reduz a menos de três brasileiros", afirma André.
Foto aérea do acampamento C1, a 5.300m de altitude.
Dificuldades pelo caminho
Com acompanhamento por satélite em tempo real e comunicação informando o dia a dia dos montanhistas aos familiares, o grupo chegou ao acampamento-base, a 4.300 metros de altitude, com certa tranquilidade. A partir deste ponto, porém, as dificuldades começaram a surgir.
"Praticamente todo o grupo começou a ter fortes dores de cabeça, mal estar, falta de apetite e nítida redução do desempenho físico devido ao ar rarefeito. A baixa concentração de oxigênio tirou o sono de alguns integrantes, que, após o terceiro dia de expedição, começaram a desistir", relatam os jundiaienses. Entre as dificuldades enfrentadas pelos montanhistas está o frio intenso de -12°C.
Por ser o mais experiente do grupo, André pouco sentiu os efeitos da altitude. Hikaru, mesmo com perda de apetite em alguns dias, dores de cabeça e náuseas, seguiu focado no objetivo de cume.
Um dia antes de avançarem pelo trecho mais técnico de toda a expedição, os outros três montanhistas com intenção de cume já haviam desistido. Isso porque, segundo os especialistas, a escassez de neve na região neste ano criou uma parede vertical em 90° de gelo com 10 metros de extensão.
"Foi um dia muito longo e cansativo, com 10 horas de atividade ininterrupta. André teve que auxiliar um casal de catalães que estava tendo problemas com a corda no rapel e outra dupla composta por uma americana e um irlandês com dificuldades semelhantes. Isso atrasou um pouco o grupo", contam.
Escassez de neve criou uma parede vertical em 90° de gelo com 10 metros de extensão
Missão cumprida
O dia seguinte foi de descanso e planejamento para o ataque ao cume, quando os dois acordaram à 0h30 e enfrentaram o frio de -12°C fora da barraca para cumprir a missão.
"Colocamos nossa lanterna de cabeça, vestimos a cadeirinha de escalada, todos os equipamentos, derretemos gelo para conseguirmos ter água líquida em nossas garrafas térmicas, e seguimos rumo ao desconhecido."
Era um dia nublado e com pouca visibilidade, mas sem vento. André e Hikaru escalaram por 11 horas seguidas, sem parar, chegando ao cume da montanha mais bonita do mundo às 13h. O trecho mais difícil foi a transposição de uma rachadura no glaciar na base da montanha.
André e Hikaru dormiram em barracas durante a expedição — Foto: Arquivo pessoal
Os dois descansaram no cume por cerca de 40 minutos e, logo em seguida, iniciaram os rapéis da parede, que duraram mais três horas. Por volta das 17h30, quando o sol já estava se pondo, os jundiaienses retornaram à base da montanha. No dia seguinte, finalizaram a expedição retornando a Huaraz.
"Apesar dos quase 30 quilômetros de aproximação desde o vilarejo de Cashapampa, do tradicional problema com a altitude, do frio intenso e do cansaço, a nossa maior dificuldade foi a transposição da parede vertical de acesso. Escalar já é difícil por si só. Em um frio absurdo e a quase 6.000 metros de altitude, a dificuldade fica muito maior."
Após 40 minutos de descanso no cume, os dois já iniciaram a descida — Foto: Arquivo pessoal
Da investida fracassada aos sete cumes e sete vulcões
A paixão de André pelo trekking teve início em 2001, durante uma investida fracassada ao Pico dos Marins, montanha icônica na Serra da Mantiqueira.
"Um amigo da faculdade me convidou para o trekking com trechos de escalada, sem guia, apenas utilizando um GPS, que era novidade na época. Não tínhamos preparo, nem equipamentos adequados, e o GPS não funcionou como esperávamos. O resultado foi um acampamento forçado no fim da tarde em um local fora do acampamento, perdidos, e tivemos que abortar a missão no outro dia pela manhã", lembra.
Na semana seguinte, obcecado em completar a missão de dias atrás, o jundiaiense convidou os mesmos amigos para tentar novamente, mas, como eles negaram por conta de compromissos pessoais, decidiu ir sozinho. Mesmo assim, conseguiu alcançar o cume.
Escaladores Ary Macedo e Kleberson Gomes da segunda expedição da Aventura Alpina na temporada 2024 na penúltima cordada da via Canadense-Peruana, Alpamayo.
"Dali em diante, adentrei de cabeça no esporte. Subi as principais montanhas do país e outras fora. Grande parte em estilo alpino solo [sozinho e sem suporte de guias, agências ou porteadores]. Até que, após 18 anos de prática, resolvi abandonar a carreira em logística para abrir minha agência de turismo especializada em montanhismo e me tornar guia de montanha", conta.
A decisão de transformar o hobby em profissão fez com que André precisasse se especializar na área, por meio de cursos de primeiros socorros em áreas remotas, de escalada em gelo na Bolívia, de guia de turismo para tirar uma certificação no Ministério do Turismo, e de navegação e orientação.
De lá para cá, o montanhista já esteve no Elbrus (Rússia), em 2013; no Kilimanjaro (Tanzânia), em 2014; no Aconcágua (Argentina), no Huayna Potosi (Bolívia) e no Damavand (Irã), em 2016; no Orizaba (México), em 2017; no Ojos del Salado (pelo lado argentino), em 2018; no Aconcágua novamente em 2019; e no Orizaba, Damavand e Ojos del Salado novamente, em 2022, fora as inúmeras montanhas no Brasil e Patagônia.
Os roteiros mais difíceis para ele foram os do Monte Damavand, no Irã, e da montanha Aconcágua, na Argentina.
"Damavand pela diferença cultural e pela rota escolhida. Fiz uma travessia de norte a sul na montanha. Fui o único brasileiro a ter realizado a rota. Aconcágua, a montanha mais alta das Américas, em alpino solo, também foi algo inesquecível. Estava com 35 quilos na mochila por ter adotado esta estratégia totalmente autônoma. Apenas um brasileiro havia realizado o feito: Mozart Catão, de Teresópolis (RJ)", explica.
Como projeto pessoal, a próxima tentativa do jundiaiense, em 2025, será escalar o Artesonraju, uma montanha com 6.025 metros que, segundo ele, dizem ter inspirado o logo da Paramount Pictures.
"A minha principal meta é me tornar o primeiro brasileiro a ter escalado em estilo alpino solo os sete cumes (Everest, Vinson, Denali, Kilimanjaro, Aconcágua, Elbrus e Pirâmide Carstensz) e os sete vulcões (Damavand, Ojos del Salado, Kilimanjaro, Elbrus, Orizaba, Giliwe e Sidley). Já estou na metade do projeto", finaliza.
Projeto 'Andes 10+'
Hikaru começou a praticar trekking por curiosidade e, assim como André, a primeira montanha que escalou foi o Pico dos Marins. A partir daí, ele fez um curso de escalada em rocha com a agência do amigo e não parou mais.
"No Brasil, já estive nos cumes das principais montanhas. O Alpamayo foi o primeiro fora e a minha primeira experiência em alta montanha. Anteriormente, meus maiores desafios haviam sido a Travessia da Serra Fina e Marins x Itaguaré", relata.
No futuro, o jundiaiense pretende seguir escalando as vias clássicas do Brasil, continuar com o trekking e, assim que possível, colocar alguma montanha Top 10 dos Andes como meta para o próximo ano.
"Depois do sucesso no Alpamayo, com certeza quero voltar a Huaraz e explorar outras montanhas, mas estou com o projeto 'Andes 10+' na cabeça. Agora é iniciar a programação financeira e partir", finaliza.
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